quinta-feira, 1 de abril de 2010

Somos quem podemos ser

Quando eu era jovem, meu pai por motivos alheios a sua vontade foi intimado a demitir um funcionário dele, Marcos. Aquilo me chocou, eles trabalhavam juntos há mais de 10 anos, na época eu tinha uns 15 anos. O tempo tinha transformado uma relação profissional em uma relação pessoal, meus pais eram padrinhos da filha dele, freqüentávamos a casa dele e eles a nossa.

Quando argüi meu pai acerca da seriedade daquele ato ele me retorquiu: “Diogo, nunca trabalhe com alguém que você não consiga demitir”. Claro que essa frase tem uma abrangência muito maior, ele não estava nem um pouco feliz com aquilo tudo.

Estava então a passear pelo shopping com uma Tia minha quando o encontramos, fiquei um pouco nervoso, era como se meu pai tivesse dispensado um Tio meu.

Perguntei como ele estava no que me disse: “Estou bem, nesses anos todos nunca havia tirado férias, agora aproveito pra refletir sobre a vida” (tanto ele quanto meu pai são conhecidos workaholics), disse ainda não estar chateado e entender perfeitamente as razões de meu pai.

Minha Tia desejou que a situação se resolvesse o mais breve possível, mas ressalvou “Lembre-se que ninguém é insubstituível”, no que ele prontamente concordou.

Hoje recebi um email que em certo fragmento dizia:

Na sala de reunião de uma multinacional o diretor nervoso fala com sua
equipe de gestores.
Agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um ameaça:
“ninguém é insubstituível".
A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio.
Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça. Ninguém ousa falar nada.
De repente um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido:
- Alguma pergunta?
- Tenho sim. E Beethoven?
- Como? - o encara o gestor confuso.
- O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu Beethoven?

Oras, somos diferentes, singulares, não somos substituíveis. Esse conceito vem de uma sociedade mecânica, caixas de bancos podem ser trocados a qualquer instante, operadores de telemarketing, seguranças, etc... Mas jogar todos em uma vala comum não é algo inteligente de se fazer, o que falta em algumas situações é a oportunidade de que essa singularidade se revele.

Há um dito popular que diz que quando se retira uma mão de um balde cheio, a água toma seu lugar, metáfora que tem o mesmo significado da expressão combatida. Percebam que o liquido preenche o vazio mas o nível do balde abaixa. Não se preenche com água a alma, quando alguém se vai fica vago o seu lugar, vivemos com a lembrança, o que varia é como cada um vai lidar com ela.

Para finalizar, meu pai era empreiteiro e recebeu ordens superiores para demitir Marcos porque alguns atos deles não haviam agradado determinados poderosos. Alguns meses se passaram, as eleições se passaram, o poder não é eterno, e Marcos retornou para a firma, me pergunto se isso já não estava acertado entre eles, já que ele nunca fez força para arranjar outro emprego coisa que teria conseguido com certa facilidade, e que meu pai apenas deu a ele as férias que nunca havia tido até que o tempo necessário transcorresse.

Meu Pai enveredou pela política, foi prefeito por oito anos e fez de Marcos seu sucessor, eles já possuem mais de ¼ de século de parceria, maior parte dos casamentos atuais não duram tanto. As pessoas são insubstituíveis? Se há 26 anos meu Pai tivesse contratado outra pessoa a história teria sido a mesma? Não creio.

A vida é engraçada, meu pai nunca tinha pensado em ser prefeito, já Marcos tinha isso em seu horizonte.

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